EDUCAÇÃO FÍSICA E REORDENAMENTO NO MUNDO DO TRABALHO:
Mediações da regulamentação da profissão
Por Hajime Takeuchi Nozaki
sob a orientação do Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto
Niterói-Maio de 2004
Assim sendo, além da sua mercantilização, um processo que mediou a capoeira, enquanto conformação ao capitalismo avançado, foi o da sua desportivização. É possível que um dos aspectos determinantes para a identificação desta prática enquanto conteúdo desportivo seja a sua reformulação, a partir da década de 30, sustentada por um interesse do Estado brasileiro em legitimar práticas que compactuassem com seus ideais higienista, eugenista, militarista e nacionalista (Mello, op. cit.; Reis, op. cit.)321. Assim, a capoeira modificou sua prática e seu ensino, geralmente marginais, para uma sistematização realizada em recintos fechados e ministrada por professores ou mestres que a ensinavam utilizando-se de metodologias criadas por si próprios ou adaptadas de modalidades desportivas. Neste ponto, Mestre Bimba tem fundamental importância por ter criado a capoeira regional, com elementos provenientes da escola, tais como a formatura. Já os angoleiros, cuja expressão representativa era o Mestre Pastinha, buscavam preservar as tradições daquela manifestação, porém adaptando-a para a legalidade, ou seja, retirando-a de ações marginais tais como a briga de rua, valentia, entre outras (ibid.; Silva, op. cit.).
Mais à frente, na década de 70, outro aspecto determinante foi a elaboração de um regulamento técnico para competições322 e a incorporação da capoeira à Confederação Brasileira de Pugilismo, em 1º de janeiro de 1973. Já a Confederação Brasileira de Capoeira surgiu em 23 de outubro de 1992 (Bogado, op. cit.; Falcão, 1998)323. Os defensores da desportivização da capoeira partiram de dois argumentos centrais. O primeiro deles era ligado à defesa da normatização desportiva da capoeira, tendo em vista que ela seria o único esporte genuinamente nacional. Já o segundo, se baseava na própria preocupação de sistematização das suas técnicas, com o intento de afastar o surgimento de capoeiras que não respeitassem a tradição da área. Neste ponto, é ilustradora a declaração do professor Carlos Senna, estudioso da área324, por ocasião da aprovação do primeiro regulamento técnico da capoeira, no Conselho Nacional de Desportos, em maio de 1973:
“Devemos criar de imediato um método de ensino único para a prática e o estudo da capoeira. Esse método, ou melhor, os ensinamentos devem ser um só para todos aqueles que se dedicam ao ensino da capoeira, a fim de evitar a proliferação de falsos professores que ficam inventando moda e com isso prejudicando sensivelmente o respeito [à] capoeira” (apud Pessoa, 1973, [s/p]).
É possível perceber, como no caso do yoga, a preocupação em resguardar a área dos praticantes mal intencionados e que não respeitariam a sua tradição. A solução apontada para tal impasse, à época, foi a desportivização da capoeira325. Não obstante, tal desportivização veio acompanhada justamente da descaractrização da área, na proporção em que transformou a capoeira em mercadoria, além de inibir a sua diversidade de manifestação, recebendo várias críticas:
“O que se questiona em relação a essas tentativas de padronização da capoeira dentro dos contornos do esporte de rendimento, é se elas não estariam negando a pluraridade dessa manifestação cultural, bem como os seus valores sócio-históricos e culturais arquivados em seus rituais cantos e gestos” (Falcão, op. cit., p.325).