jueves, 25 de febrero de 2010

1901-MANDUCA-Capoeira usando Bengala fina da India

José Alexandre Melo Morais Filho Festas e tradições Populares do Brasil / 1901 tipos de rua : Capoeiragem e Capoeiras Célebres (Rio de Janeiro)

O Manduca da Praia era um pardo claro, alto, reforçado, gibento, e quando o vimosusava barba crescida e em ponta grisalha e côr de cobre. De chapéu de castor brancoou de palha ao alto da cabeça, de olhos injetados e grandes, de andar compassado eresoluto, a sua figura tinha alguma coisa que infudia temor e confiança.
Trajando com decência, nunca dispensava o casaco grosso e comprido, grandecorrente de ouro de que pendia o relógio, sapatos de bico revirado, gravata de côrcom um anel corrediço, trazendo sómente como arma uma bengala fina da india.O Manduca tinha banca de peixe na praça do Mercado, era liso em seus negócios,ganhava bastante e tratava-se com regalo.
Constante morador da Cidade Nova, não recebia influências da capoeiragem localnem de outras freguesias, fazendo vida a parte, sendo capoeira por sua conta erisco.
Destro como uma sombra, foi no curro da rua do Lavradio, canto da do Senado,onde é hoje uma cocheira de anorinhas, que êle iniciou a sua carreira de rapaz destemido e valentão, agredindo touros bravos sôbre o quais saltava, livrando-se.
http://www.capoeira-infos.org/ressources/textes/t_melo_morais_filho.html
http://www.capoeira-palmares.fr/histor/index.htm#p5
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Lucia Palmares & Pol Briand3, rue de la Palestine 75019 ParisTel. : (33) 1 4239 6436Email : polbrian@capoeira-palmares.fr

1 comentario:

AEC dijo...

No trecho aqui reproduzido, Luiz Edmundo também cita nomes de alguns dos membros desta “flor da vagabundagem carioca” e define o grupo como composto por “pardo-vascos, negros crioulos, brancos”, nos legando um registro do perfil étnico e social que a capoeira passou a ter a partir da década de 1870 quando, além de escravos, passou a ser uma prática comum entre libertos e brancos livres. (PIRES, 2001)

Além de capoeiras, muitos destes rapazes eram também seresteiros e rufiões, como foi o caso de Manduca da Praia, que foi tudo isto ao mesmo tempo. Manduca era um “cabra” de cabeleira encaracolada, que lhe caía sobre “a testa marrom”, que andava “como um marreco, rebolando o traseiro, agitando o abombachado das calças”, (EDMUNDO, 2006, p. 232) sempre usando um

paletó de um só botão, fechando em baixo, calças de linho, brancas, duras à força de goma e de trincal, faixa e o luxo de umas botinas inteiriças, das de elástico, das chamadas “reiúnas” de “sarto arto” e sempre furiosamente engraxadas. No pescoço, lenço de faille azul... Relógio com chatelaine de cabelo no bolso da calça e um chapeuzinho três pancadas, batido em toldo de barraca, sobre a linha dos olhos. (EDMUNDO, 2006, p. 232)

Ao descrever a figura de Manduca, Luiz Edmundo acentuava elementos tais como o lenço ao pescoço e o “chapeuzinho três pancadas”, informações estas que são reiteradas por Melo Moraes Filho que dedicou a Manduca algumas páginas do seu Festas e tradições populares, no capítulo intitulado “Tipos das ruas”, por meio das quais ficamos conhecendo um pouco mais sobre este personagem.

Capoeirista era o Manduca, e dos valentes, só que não fazia parte de nenhuma malta, exercendo a “capoeira por sua conta e risco”. (MORAES FILHO, 2002, p. 333) Sua fama de bravura era conhecida a ponto de ter sido mencionada no jornal O Paiz, que o definiu como “metido a valente”, embora não passasse de “um vagabundo”. 9 Vagabundagem e capoeiragem mais uma vez aparecem relacionadas, como se fossem sinônimos, deixando entrever a imagem que a república construiu para os capoeiras, como sendo indivíduos apartados do mundo do trabalho o que, por sua vez, justificava a repressão aos mesmos.

Morador da Cidade Nova, Manduca possuía uma banca de peixe, na Praça do Mercado, na qual negociava e ganhava o suficiente tanto para tratar-se “com regalo”, quanto para ficar conhecido como “homem de negócio”. (MORAES FILHO, 2002, p. 333) Levando em conta estas informações, podemos sugerir que, diferentemente do que afirmara o jornal O Paiz, Manduca, assim como tantos outros homens livres pobres que agenciavam seus próprios negócios, era um trabalhador que possuía habilidades para contabilizar e administrar ganhos monetários, embora não se tenha informação de que ele soubesse ler e escrever o que, todavia, não é de todo improvável. Se a alfabetização era prerrogativa do mundo das elites, não se deve esquecer que ela também “ligava-se direta ou indiretamente às sociabilidades existentes no mundo das cidades, entretidas entre escravos, forros, negros nascidos livres [e] brancos pobres”, (WISSSENBACH, 2002, p., 113) ampliando-se para além dos segmentos tradicionalmente alfabetizados.

Foram ainda os lucros auferidos com seu trabalho que permitiram a Manduca usufruir de uma renda que, ao longo do Império, lhe garantiu o direito de votar na Freguesia de S. José. (MORAES FILHO, 2002, p. 332) Este é um dado importante pois, ser votante numa sociedade em que 80% da população encontravam-se à margem dos processos eleitorais formais, não era algo trivial e transformava alguns homens livres pobres, como Manduca, em indivíduos que podiam exercer alguns direitos de cidadania. (MENEZES, 1996, p. 51)

Além de capoeira e trabalhador, Manduca era um apaixonado por música, tanto que andava com “o violão sempre na unha”, pronto para cantar “com chiste” os versos da “solfa gaiata do Ai ladrãozinho”, que diziam:

Esse teu lábio de coral

(Tem dó!)

Dá-me um beijinho

Não te pode fazer mal

(Um só!)

(MORAES FILHO, 2002, p. 230)