Prefácio de Mário Santos (1927)
Obs. Ao famoso livro de Zuma Burlamaqui (1928)
"O livro de Annibal Burlamaqui - Gymnastica Nacional - é, por sua natureza, desses cuja necessidade ha muito se impunha em o nosso meio sportivo.
No Brasil, já se praticam, pode-se dizer, todos os sports: temos campeonatos de remo, natação, foot-ball, basket-ball, box, luta romana, tennis, athletismo em geral etc. Actualmente até o polo e golf já são disputados em nossa terra. No emtanto é de lamentar que até hoje nada se tenha feito em prol do sport nacional.
Cogita-se de uma arte nacional, brasileira, da musica brasileira etc. Até mesmo da política brasileira. E de sport nacional, fala-se? Infelizmente não.
E se assim é, o livro de Zuma vale por um grito de brasilidade.
É tempo já de nos libertarmos dos sports extrangeiros e darmos um pouco de attenção ao que é nosso, ao que é de casa. E depois vale a pena isso, pois a Gymnastica Brasileira vale por todos os sports extrangeiros. Supera-os até.
O presente livro, é modesto. O seu autor não é litterato; não é doutor, não é bacharel. É um moço sportman, um verdadeiro athleta, que goza muita saude e, sobretudo, ama a sua terra. Não é, portanto, uma obra litteraria, é uma monographia sportiva, talvez. É moderno, é prático; não divaga, entra logo no assumpto. Dá-nos a história da capoeiragem, os golpes e os contra-golpes.
Ensina-nos, ou melhor, creou regras e methodizou-a . Termina com considerações a respeito dos exercícios preparatórios para se fazer um gymnasta brasileiro e sobre os reque-sitos mais necessários para isso. Em synthese é um livro útil.
Estou de accordo com A. Burlamaqui (Zuma) quando lamenta que se tenha votado tamanha aversão a capoeiragem, a ponto de tornar a sua prática compromettedora social-mente.
Todas as lutas hoje conhecidas: o box, a luta romana, a savata franceza, o jiu-jiutsu etc, tem suas origens identicas a nossa capoeiragem. É sempre a luta pela vida, o instincto de conservação, de defeza pessoal que lhes deram nascimento.
Todas ellas passaram pelos mesmos revezes que a Gymnastica brasileira.
Tambem na Inglaterra, o abuso dos que se prevaleciam da habilidade no jogo do box concorreu para que este jogo fosse considerado pelas leis inglesas uma contravenção e, portanto, punido quando praticado. Assim a savata franceza. Assim o jiu-jitsu que não era mais do que um processo de luta usado por determinada casta no Japão, e que dava aos componen-tes grande vantagem sobre os outros indivíduos. E se assim é, porque, si a lei da evolução é sempre a mesma em todo Universo, a capoeiragem, no Brasil, haveria de escapar a marcha evolucional de suas congêneres?
Nascida, como bem diz o autor, com os escravos foragidos, nos quilombos, foi mais tarde, extinctos estes, transportada para as cidades e usada como meio de defeza, posteriormente, adulterada para meio de desordem. Foi essa evolução da "Gymnastica brasileira". E tão intensa foi a nocividade de sua prática, que o legislador de 1890 em nosso Código Penal, prescreveu em seu artigo 402 pena àquelles que a praticassem. Mas o tempo passou, hoje está regulamentado o box, como também a luta romana, a savata etc e porque não haveremos de regularizar e regenerar a capoeiragem?
Há necessidade disso, e a sua adopção constitue alem do mais um princípio de ordem social. Pois só depois de acceita e espalhada a pratica da capoeiragem, teremos os agentes da sociedade, os policiaes a salvo das habilidades dos brasileiros nesse terreno e das insolências dos que praticam o box , como os embarcadiços extrangeiros, que tanto dissabor causam aos policiaes com as suas libações alcoólicas. Adoptemos a capoeiragem, ella é superior ao box, que participa dos braços; ela é superior à luta romana , que se baseia na força; é superior à luta japoneza, pois que reune os requisitos de todas essas lutas, mais a intelligencia e a viva-cidade peculiares ao tropicalissimo dos nossos sentimentos , pondo em acção braços, pernas, cabeça e corpo!
Oxalá que muito breve tenhamos na Europa campeões brasileiros, de "GYMNASTICA NACIONAL", vencendo os de outras lutas extrangeiras!
São meus votos que seja a "Gymnastica brasileira" acceita e praticada, pois vae n`isso, além de um acto de brasilidade, um pouco de integralisação na posse de nós mesmos.
Rio, dezembro de 1927. Mário Santos"
http://www.jornalexpress.com.br/noticias/detalhes.php?id_jornal=13170&id_noticia=451
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