domingo, 11 de julio de 2010

Dançavam o maxixe, jogavam capoeira

Revista Brasileira de Ciências Sociais

Print version ISSN 0102-6909
Rev. bras. Ci. Soc. vol.21 no.62 São Paulo Oct. 2006
doi: 10.1590/S0102-69092006000300004
Um forrobodó da raça e da cultura




..................A expressão "forrobodó de massadas" merece um comentário. Raul Pederneiras publicou um glossário de gírias cariocas em 1920, em que registra "massadas" como "pretextos, negaças, subterfúgios" (p. 33). Em vários textos de revistas da época, no entanto, o termo é usado com conotação positiva, significando "algo nosso, com a nossa malícia", o que também parece ser o caso aqui. A associação com os movimentos da capoeira não é difícil de ser feita: o corpo que ameaça ir para um lado e vai para o outro, sempre ocultando de onde sai o golpe, sempre iludindo o adversário. Essa manha ou jogo de refugos reaparece em diversas expressões de gíria como uma característica da cultura popular afro-carioca................................A Luís Peixoto e Carlos Bittencourt atribuía-se o uso da "gíria capadócia" em Forrobodó. Eis aqui mais um termo ligado à idéia de subterfúgio e marcado pela ambigüidade. "Capadócio", como várias palavras ligadas à cultura afro-carioca, variava entre uma conotação negativa e outra positiva. Nos dicionários, e portanto na linguagem oficial, aparece como sinônimo de fanfarrão ou canalha. Naquela virada de século, era termo freqüentemente associado ao capoeira e, por extensão, com indivíduos de classe baixa, em especial os negros, como na expressão "gíria capadócia".................................................Tudo conspirou para que Peixoto e Bittencourt, Chiquinha, Segreto, Cinira e Alfredo Silva se juntassem e trouxessem para o público o que ele desejava.

Mas se os elementos estavam lá, foram Cinira Polônio e sua companhia que funcionaram como a fagulha que acendeu a fogueira. Os atores, em geral, encontravam-se numa posição muito melhor para servirem de ponte entre a cultura popular e a erudita do que os dramaturgos. Eram de origem social e étnica mais misturada, ocupavam uma posição mais baixa na hierarquia social, costumavam lutar contra dificuldades econômicas e preconceitos morais, levavam uma vida boêmia e compartilhavam espaços com o povo da lira. Dançavam o maxixe, jogavam capoeira e conviviam com os músicos, entre os quais a mestiçagem cultural já se fizera mais profunda.
Cinira Polônio era uma dama no meio dessa turma de peões. No momento de Forrobodó, tinha 51 anos e vinha de uma longa carreira de sucesso como divette dos musicais ligeiros. Tivera educação privilegiada para a época e estudara canto, dança e atuação na Europa. Falava várias línguas. Atuara em palcos de diversos países. Na juventude, tentara seguir carreira nos gêneros mais prestigiosos – primeiro ópera, depois opereta –, mas foi como cançonetista que alcançou reconhecimento. Voltou ao Brasil em 1900, produzindo seus próprios trabalhos, e empenhada na criação de um teatro "popular". A parceria com Segreto foi uma conseqüência lógica.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092006000300004&script=sci_arttext

No hay comentarios: